top of page
21046199_20131002175417697.jpg

Encarceramento em massa

As prisões tornaram-se um buraco negro, no qual os detritos do capitalismo contemporâneo são depositados. O encarceramento em massa gera lucros enquanto devora a riqueza social, tendendo, dessa forma, a reproduzir justamente as condições que levam as pessoas à prisão. - Angela Davis

 

Segundo os dados do InfoPen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) o Brasil tem a terceira maior população prisional do mundo, estando atrás apenas dos EUA e China. São 726.712 pessoas presas no país, ou seja temos cerca de 352,6 presos para cada 100 mil habitantes.

Essa população prisional tem cor e tem classe social e é dentro do sistema penitenciário que esse grupo tem, sistematicamente, seus direitos violados. A prisão a qual temos atualmente se apresenta como um espaço de correção, mas o que vemos é que ela mais distorce que corrige. O sistema que coloca como foco punitivo a privação de liberdade na verdade apresenta evidentes traços de tortura. 

64% da população prisional é negra, ou seja dois em cada três presos no Brasil são negros (53% da população brasileira é negra). além disso, 55% dos presos são jovens, que compreendem 21,5% da população brasileira. Se continuarmos nesse ritmo, em 2075, uma em cada 10 pessoas estará em privação de liberdade no Brasil. 

Em 2006 e 2014, a população feminina nos presídios aumentou em 567,4%, (o aumento da população masculina foi de 220% no mesmo período). Temos a quinta maior população de mulheres encarceradas do mundo (EUA - 205.400; China - 103.766; Rússia - 53.304, Tailândia - 44.751; Brasil - 37.380). Entre essas mulheres, 67% são negras e 50% têm entre 18 e 29 anos. Os dados nos mostram que a juventude negra é o foco do genocídio do Estado brasileiro. A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) segue a mesma lógica prisional; a maioria das internas têm entre 15 e 17 anos, sendo 68% negras. A maioria delas cometeram tráfico de drogas ou roubo e apresentam argumentos como: vulnerabilidade social, necessidade de sustento dos filhos e da família, desestruturação familiar, violência e abuso doméstico-sexual

Esses dados reforçam como o sistema de justiça criminal tem profunda ligação com o racismo, sendo que esse modelo garante a manutenção do racismo e das desigualdades que são baseadas na hierarquização racial. Ser encarcerado vai além da privação de liberdade, é uma situação que significa a negação de uma série de direitos e a exposição a situação de aprofundamento de vulnerabilidades. 

Além de marcas físicas e psicológicas o encarceramento deixa marcas sociais : após saírem da prisão, esses indivíduos sofrem uma morte social, que dificilmente terão de volta seu status de cidadania ou possibilidade de alcançá-la. Sendo assim, o sistema prisional é uma das instituições mais fundamentais para o processo de genocídio contra a população negra atualmente no Brasil. A figura do criminoso abre espaço para todo tipo de discriminação com a justificativa social para isso e, assim, serve de mascaramento para o preconceito racial.

A Guerra às drogas é o elemento chave de estruturação desse modelo de opressão. É a partir do discurso de epidemia e de amedrontamento da população quanto às substâncias ilícitas que se cria a justificativa para militarização, criminalização e controle de territórios periféricos. O tráfico é uma das principais causas de encarceramento, sendo que 26% da população masculina e 62% da feminina foi presa por esse motivo.

A Lei das Drogas de 2006, é um dos principais argumentos para a legitimação do encarceramento em massa. De 1990 até hoje tivemos um aumento em 707% de pessoas encarceradas, sendo que o crescimento acentuado se deu exatamente após 2006, com a aprovação da lei. Além disso, com a aprovação dessa lei tivemos um aumento significativo de unidades prisionais no país. 

Histórico

O racismos é um dispositivo estruturado e ideológico da sociedade brasileira. A nossa forma de pensar as prisões como algo inevitável para quaisquer transgressões estabelecidas pela sociedade foi condicionada ao longo dos anos, fazendo com que a punição se tornasse naturalizada pela sociedade.

A justiça criminal a qual conhecemos hoje tem grande influência dos processos de transformações político-filosóficas e sociais que ocorreram a partir dos séculos XVIII e XIX. Anteriormente a isso, as punições eram formas de exercício do poder realizadas através de castigos físicos/torturas.

Na França de XVI e XVII, e outros diversos regimes monárquicos europeus desse período, assim como suas colônias, o processo criminal ocorria sem a participação do acusado e sem que esse sequer soubesse como transcorria o processo. Essa “não participação” do acusado ainda pode ser vista nos dias de hoje se considerarmos que o uso de linguagem rebuscada, de expressões em latim e construções discursivas e sintáticas mais aperfeiçoadas e elitizadas dificultam a capacidade de entendimento e acompanhamento do processo pelos réus e seus familiares e qualquer pessoa que não esteja inserida naquele contexto judiciário. O uso do saber como uma forma de poder ainda permanece e engessa o exercício pleno de defesa e de direitos. Com a abolição da escravidão, a instituição criminal foi uma forma de garantir o controle social, tendo como foco os grupos subalternizados estruturalmente. 

O mundo passou por uma série de mudanças sociais, políticas e econômicas com grande influência dos ideais iluministas, que demandavam uma estrutura de vigilância que correspondesse aos novos desafios colocados. Fazendo com que a força deixasse de ser um elemento estratégico da punição e passam-se a ser defendidas ideias para que a penalização fosse mais abstrata e de consciência. A liberdade do indivíduo passa a ser vista como bem e direito, como afirma Foucault, “o castigo passou a ser uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos”.

A reforma penitenciária não teve como objetivo criar uma nova forma de punir a partir de princípios mais equitativos mas sim de estabelecer uma nova “economia” do poder de castigar,  assegurando uma melhor distribuição dela e possibilitando com que ela fosse dispersada por toda parte de maneira contínua. Essa reforma foi uma estratégia para o remanejamento do poder de punir, de modo a aumentar seus efeitos e diminuir o custo econômico e político. Houve a formulação de um novo estatuto sobre bens, que se organizou para garantir o direito dos donos de propriedades e criminalizar as classes populares ao tornar qualquer ato violento que considerasse (e ainda considere) essas posses uma ilegalidade. Portanto ocorreu uma sobreposição da propriedade em relação aos direitos e à cidadania. 

No século XIX, a Justiça passa a avaliar não só o crime como a vida e todo o contexto do acusado, reforçando uma moral social caminha junto e indissociada, de opressões estruturais.  Com a influência positivista, o foco torna-se como “recuperar”, “modificar” o criminoso. A advogada norte-americana Michelle Alexander aponta que as pessoas encarceradas no país, em muitos estados, perdem seus direitos políticos mesmo após o cumprimento da pena, portanto, essas pessoas se manterão a margem do sistema e serão estigmatizadas como cidadãos de segunda classe. No Brasil, a condenação inviabiliza os direitos políticos durante o período do cárcere que são posteriormente restabelecidos. Entretanto, no caso de presos provisórios, apesar de terem seus direitos políticos, eles não podem exercê-lo por não existir esforço do sistema criminal que garanta as condições para o exercício desses direitos
 

Brasil e o sistema penitenciário 

O Brasil teve como um de seus pilares fundamentais a instituição da escravização de populações sequestradas do continente afrincano. Portanto, a colonização brasileira utilizou-se da mão de obra escrava e teve como objetivo a super exploração e extração de recursos naturais. A primeira mercadoria do colonialismo e posteriormente do capitalismo foi a sustentação da economia nacional através do processo de escravização, processo esse que foi para além da dimensão física da opressão, estruturando e se organizando na sociedade e na política do país.  

A historiadora Beatriz Nascimento definiu o racismo brasileiro como “um emaranhado de sutilezas”. Segundo ela, o fenômeno e suas consequências vão além da externalidade, compreendendo também impactos da corporeidade e da subjetividade dos sujeitos oprimidos: “o racismo é uma experiência que retira o sujeito de si mesmo”

O brasileiro se vê indivíduo pacífico e são recorrentes afirmativas de que somos um povo amável, alegre e outras características de pacifismo. Entretanto, ao analisar nossas estatísticas, temos que em nosso país, mais de 30 mil jovens são assassinados por ano, fruto da violência urbana e cotidiana. E é nessa mesma lógica que nos autoafirmamos como país livre de preconceitos, mas contraditoriamente 23 mil desses 30 mil jovens são negros. Eis que vivemos sob os mitos da pacificação e da harmonia racial.

Assim, o racismo é uma ideologia que acompanha o desenvolvimento e as transformações históricas da sociedade brasileira, se moldando a essas mudanças. Dito isso, temos que ter em mente que um sistema tão enraizado e altamente fundido à nossa sociedade não some num piscar de olhos pela simples queda da monarquia ou pela modernização. 

O mesmo país que se diz pacífico e livre de preconceitos é aquele que corrobora e aplica um discurso e políticas de que negros são indivíduos pelos quais deve-se nutrir medo e devem ser reprimidos. O poder sobre o negro é exercido em diversas esferas; seja na ausência total de políticas cidadãs e de direitos, seja pelo caráter simbólico da representação do negro na sociedade como violento e lascivo, pela aculturação, pelo encarceramento ou pelas mortes. 

Houve inicialmente a negação da contribuição positiva do negro no que se constitui Brasil e na compreensão identitária e geográfica do que se entende por sociedade brasileira. Posteriormente, essa contribuição foi subvertida, aculturada e abrandada, reduzida a aspectos culturais de alimentação, festa etc. E é somente quando essas manifestações culturais são apropriadas pelos brancos e pela indústria cultural que elas são bem-vistas pela sociedade.

O embrião do sistema criminal brasileiro teve em seu cerne o caráter punitivo. De 1500-1822 predominava no “código penal” a esfera privada e a relação senhor/proprietário-escravizado/propriedade. Havia uma diferenciação das penas entre escravizados e livres, exemplo disso é que aqueles considerados “bem-nascidos” eram executados pelo machado, considerada morte digna, já aos demais era utilizada a corda, considerada uma morte desonrosa. No Código Criminal do Império Brasileiro, houve a manutenção das diferenças entre as penas dos homens livres e dos escravizados, sendo que os escravos eram punidos e devolvidos aos seus senhores. O Estado via os corpos negros como propriedade privada. O sistema de justiça criminal republicano, permaneceu sem grande ruptura com o que foi se estabelecido no período imperial, permanecendo com uma série de políticas e regramentos à vida do negro para sua inferiorização.

Com a ampliação das cidades, foram tomadas diversas medidas para o recrudescimento das medidas de vigilância sobre os negros e pobres livres. A polícia ganha novos contornos e a vadiagem, definida por valores morais e raciais de que as “classes menos favorecidas” eram imorais, preguiçosas e corruptas, fomentava o imaginário daquilo que era visto como “crime”. Ademais, um conjunto de leis foram sendo intensificadas e promulgadas, criminalizando a cultura afro-brasileira (samba, batuque, religiões de origem africana, etc).

A partir de 1930 a miscigenação passa a ser trabalhada como características e símbolo nacional, sedimentando o mito da democracia racial brasileira. Uma narrativa de que a “brasilidade” é fruto da soma de três raças ganha contornos e, apesar da repressão contra os negros não estar presente no Código de 1940,  ainda ocorre, na prática, forte repressão contra a população negra. Com o passar das décadas, a criminalização modifica-se e avança sobre outras características. A sociedade é estimulada a acreditar que o sistema de justiça criminal irá assegurar segurança para a população, mas o que realmente ocorre é que trata-se de um sistema de justiça criminal que retroalimenta a insegurança e aprofunda a vigilância e repressão.

Temos uma clara desproporção no peso das definições das penas entre brancos e negros que cometeram o mesmo crime. Dos acusados em varas criminais, 57,6% são negros, já em juizados especiais que analisam casos menos graves tem-se maior número de brancos (52,6%). Essa diferença ocorre, pois a determinação de qual vara será tramitado o processo depende do tipo de pena pedida, e isso cabe ao promotor de justiça (nas varas criminais, a prisão é praticamente inevitável, enquanto no juizado costuma-se encaminhar para penas alternativas). Além disso, segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), temos que “A aplicação de penas e medidas alternativas”, 90,3% dos acusados são homens e 9,7% são mulheres. Desses, 75,6% possuíam, no máximo, ensino fundamental completo. A prisão provisória é uma regra no sistema de justiça criminal, sendo 54,6% dos processos transcorridas com a prisão provisória decretada. Um dado preocupante e que demonstra as falhas do sistema é o de que em 46% dos casos houve troca de defensores, em 75,4% houve troca de promotores e em 73,5% houve troca de juízes”. Com essas mudanças há maior dificuldade para o acusado e há possíveis alterações nas penas, considerando que os defensores não terão tempo para se debruçarem sobre o projeto com qualidade, assim como promotores e juízes não terão o entendimento satisfatório do caso. 

Um ponto alarmante é que, no Brasil, são realizadas prisões com objetivos terapêuticos, em acusados usuários de drogas, pessoas em situação de rua e sem domicílio. 

 

“Sistema de Justiça Criminal

• 84,5% dos juízes, desembargadores e ministros do Judiciário são brancos, 15,4% negros,88 e 0,1% indígenas;

• 64% dos magistrados são homens, 36% das magistradas são mulheres;

• 82% das vagas nos tribunais superiores são ocupadas por homens;

• 30,2% de mulheres já sofreram reação negativa por serem do sexo feminino;

• 69,1% dos servidores do Judiciário são brancos, 28,8% são negros, 1,9% amarelos;

• 67% da população prisional é negra (tanto entre homens quanto entre mulheres);

• 56% da população prisional masculina é jovem, 50% da população prisional

feminina é jovem.”


 

Interseccionalidade no encarceramento

A situação da mulher encarcerada é apagada tanto pela prisão quanto pelo fato de serem mulheres. Pouco se fala sobre o encarceramento feminino, usando o argumento de que os números mostram um maior número de homens encarcerados. Entretanto, esse argumento não considera que a justiça criminal teve faces e ações diferentes para homens e para mulheres quanto a punições, além de não considerar o patriarcado como instrumento principal para o estabelecimento dessas diferenças no encarceramento e até na definição de crime para ambos.

Quando analisamos a questão da mulher sob a ótica do sistema prisional, temos que considerar os fatores interseccionais. Como foi dito anteriormente, houve uma aumento de 567,4% do contingente de mulheres encarceradas (o aumento entre os homens fois 220%)  e a raça é um dos fatores definidores de quem irá ou não preso (68% das mulheres encarceradas são negras e 3 em cada 10 não tiveram julgamentos, ou seja, são presas provisórias). Além disso, mais de 50% dessas mulheres não concluíram o ensino fundamental e 50% são jovens (torno de 20 anos).

Segundo Angela Davis, os sistemas punitivos tem sido de caráter masculino por refletirem a estrutura político-econômica que foi negada às mulheres. Privadas do espaço público, era no espaço doméstico em que as punições ocorriam e eram aplicadas a quaisquer desvios de suas obrigações domésticas, sendo estabelecido uma relação de proprietário-propriedade.

Enquanto os homens eram punidos a partir da privação de liberdade as mulheres eram enviadas a hospitais psiquiátricos, instituições mentais, conventos e espaços religiosos. Ou seja, dá-se contorno a uma ideia de mulheres anormais, loucas, instáveis e histéricas que deveriam ser tratadas por médicos e pela igreja, ao passo que a criminalidade para os homens era visto como quebra do contrato social e por isso era tratado no âmbito público.

Sob o aspecto da interseccionalidade temos que no período escravocrata os estupros e as relações sexuais por coerção de senhores contra mulheres negras escravizadas se inseriam em um sistema primitivo privado, o qual pautou a construção de estereótipos hipersexualizados de mulheres negras que são vistos até hoje no sistema prisional.

Dentro dos presídios há uma marcante diferença entre o tratamento de mulheres brancas e negras:

“[…] mulheres brancas, em virtude da maior escolaridade, recebem os melhores cargos de trabalho dentro da prisão, ao contrário das negras, em maioria com serviços pesados e de limpeza, consequentemente, prejudicadas pelo benefício do indulto e da remissão de um dia de pena por cada três dias trabalhados.” - SANTOS, Carla Adriana da Silva. Ó Paí, Prezada! Racismo e Sexismo institucionais tomando bonde no Conjunto Penal Feminino de Salvador.

As mulheres negras e indígenas sempre tiveram práticas punitivas muito mais severas e de posse de seu corpo, quando comparadas com as mulheres brancas.  Angela Davis pontua que como formas de punição para negras escravizadas e gestantes que não cumpriam suas cotas de tempo e rapidez de trabalho, elas eram deitadas no chão barrigas em um buraco para serem chicoteadas ao mesmo tempo em que se preservava o feto que seria propriedade futura.

Somente no início do século XX que as punições femininas começam a ganhar contornos mais parecidos com as punições masculinas. No Brasil, apenas na década de 80 foram asseguradas condições de salubridade e ambientes próprios para mulheres encarceradas. A igualdade prisional foi uma igualdade na violência e repressão e ignorou que as mulheres têm necessidades diferenciadas. Um exemplo disso é a falta de absorventes, fazendo com que essas mulheres usem miolos de pão e outras vias que são insalubres durante seus ciclos menstruais. Podemos acrescenta a quantidade de papel higiênico, sabe-se que a mulher utiliza mais papel higiênico que os homens, não fazer essa diferenciação obrigou essas mulheres a utilizarem pedaços de jornais velhos e sujos para sua higiene.

No sistema prisional há muito mais chances de se contrair HIV/AIDS e não há tratamento suficiente qualitativa e quantitativamente. Segundo o infoPen, há apenas 32 ginecologistas para atender todas as mulheres encarceradas.

“Se olharmos para as condições específicas das mulheres encarceradas, temos 1.204 mulheres com agravos transmissíveis dentro do sistema prisional, o que equivale a 5,3% da população prisional feminina, excetuando a população do estado de São Paulo, não informada neste quesito. O total de homens com agravos transmissíveis equivale a 2,4% da população prisional masculina. Entre as mulheres com agravos transmissíveis, 46% são portadoras do HIV e 35% são portadoras de sífilis. No caso dos homens, a incidência do HIV é consideravelmente menor (28% dos homens presos que têm agravos transmissíveis) e há, em contrapartida, uma maior concentração de tuberculose (26,6% dos homens contra 4,8% das mulheres com agravos transmissíveis).” – INFOPEN MULHERES

 Outro elemento que destaca o caráter sexista como arma punitiva dentro do sistema prisional são as revistas pessoais em visitantes. Essas revistas são utilizadas como política de controle do corpo das mulheres a partir da humilhação e estabelecimento de poder. Mulheres relatam que deixam de realizar visitas devido à situação degradante em que são expostas nesses momentos.  É uma prática humilhante que não é justificada, visto que os dados demonstram que após a revista em visitantes, apenas em 3,66% tem-se a apreensão de celulares, 8% a apreensão de entorpecentes.

Guerra às drogas

A guerra às drogas foi um fator chave para o aumento exponencial do encarceramento e na manutenção das desigualdades raciais. No Brasil, a lei de Drogas de 2006, trouxe a distinção do tratamento entre usuários e traficantes. O usuário não pode mais ser preso em flagrante e responde a penas alternativas. Quanto ao traficante, a pena foi endurecida com punição de 5 a 15 anos, além de não possuírem o beneficio de extinções de penas.

A questão a se refletir é: quem/o que define quem é traficante ou usuário? A partir dos diversos fatores aqui colocados, quais são as chances de mulheres e homens negros, da periferia, pobres serem apreendidos com pequenas quantidades de drogas ilícitas e serem considerados usuários e não traficantes?

Num intervalo de 8 anos, desde o estabelecimento da Lei de Drogas o encarceramento aumentou em mais de 200 mil pessoas. A verdade é que essa lei não busca realmente ruir com o esquema de tráfico de drogas, uma vez que ela tem uma visão rasa e direcionada a pequenos traficantes (local em que as mulheres são predominantes), enquanto os grandes traficantes continuam soltos, afinal o tráfico funciona como uma empresa onde os cargos são definidos de acordo com a sua “importância” dentro do sistema.

Uma pesquisa do Instituto de Segurança Pública (2014) trouxe que a maioria das apreensões do RJ é de pequenas quantidades de drogas. 50% das ocorrências o volume de maconha não passava de 6 gramas. Quanto a cocaína, em 50% das apreensões foi de no máximo 5,8 gramas.

Uma das ações mais noticiadas na política da guerra às drogas são as paradas de suspeitos. As pessoas pouco ou nada sabem sobre seus direitos de permanecerem em silêncio ou não responderem determinados questionamentos. Com isso em mente e considerando um jovem negro que cresce aprendendo que a polícia é um agente repressor que mata, é muito difícil que um jovem tenha coragem de não responder perguntas ou questionar a abordagem realizada (mesmo que essa pessoa tenha conhecimento de seus direitos). Isso porque em uma sociedade em que o bordão “quem não deve, não teme” é um senso comum, não responder aumenta a suspeita sobre uma pessoa. 

 

Desencarceramento 

O aumento da inserção de negros e negras aos bens de consumo trouxe consigo o aumento da violência sofrida por eles, sendo uma forma de manutenção das hierarquias raciais. É impossível pensar em desenvolvimento nacional sem colocar como pilares as questões de raça e gênero. O brasil tem cor, a pobreza no brasil tem cor. Negros são pobres porque são negros, não o contrário.

Mais de 40% das pessoas em regime prisional estão em prisão provisória. Desses, uma grande parcela responde por tráfico de drogas em quantias mínimas. Será que realmente há necessidade dessas pessoas estarem presas por delitos que em sua maioria são pequenos tráficos e são considerados não violentos? Será que todos esses pequenos traficantes presos eram realmente traficantes ou foram considerados assim por serem negros? Nossas comunidades estão cada vez mais militarizadas e sob vigilância e ainda assim não nos sentimos seguros, pelo contrário, cada vez mais nos sentimos menos seguras, será que realmente o argumento de que o aprisionamento deixa o país mais seguro é verdadeiro?

As prisões são depósitos do que é negado e marginalizado pela sociedade. Temos que buscar outras questões mais enraizadas que façam com que cada vez mais menos pessoas sejam encarceradas. São nas prisões que o racismo tem sido mantido e reproduzido e sua expansão resulta em consequências diretas em comunidades, morros e favelas. O encarceramento em massa modifica a dinâmica familiar, de comunidades e ainda aumenta e fortalece cada vez mais as facções dentro e fora de presídios.

A cada nova crise no Brasil, surge como pauta a privatização do sistema penitenciário. Há no nosso país a reprodução de modelos falidos. A corporações capitalistas se expandem cada vez mais em novos territórios em busca de mão de obra mais barata, rompendo direitos trabalhistas e aumentando a vulnerabilidade daqueles que já estão vulnerabilizados. Há uma questão muito maior dentro de tudo isso, não é uma questão de substituição das punições mas sim do fim da necessidade de se punir. É pensar em saúde de qualidade, em educação, cidadania e compartilhamento, é desmilitarizar, é ter direito a uma moradia, à saneamento, à cultura, à lazer e uma política de drogas que legalize o uso de substâncias.

O senso comum é de que drogas (crack e cocaína, principalmente) são instrumentos que fazem o indivíduo se tornar mais violento. Entretanto segundo estudos norte-americanos apenas 2% dos detidos como viciados cometeram crimes violentos, sendo que a grande maioria dos casos ocorre devido à venda das substâncias.

Devemos olhar a questão como sendo de saúde pública e como assegurador de direitos e cidadania. As políticas atuais atingem mais as mulheres, principalmente, porque elas estão em maior contexto de vulnerabilidade. A falta de acesso à educação, à informação, a direitos sexuais e reprodutivos garantidos e respeitados, a condições dignas de moradia e a empregos dignos levam mulheres, que precisam manter a família e a própria vida, cada vez mais à situação de encarceramento. Como diz Angela Davis, só seremos livre em um mundo sem prisões.


 

Referências

https://www.conjur.com.br/dl/infopen-levantamento.pdf

https://www.justica.gov.br/news/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria-feminina-no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf

Livro: encarceramento em massa - Juliana Borges

https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/06/FBSP_atlas_da_violencia_2017_infografico.pdf

https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/06/FBSP_atlas_da_violencia_2017_infografico.pdf

angela davis.jpg
bottom of page