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Pop. em condição de

extrema pobreza

Ideologia e fatores socioeconômicos

O sistema de produção capitalista, sedimentado na expropriação e na exploração como formas de garantia da mais-valia, somado a repartição desigual da renda nacional entre as classes sociais são elementos que institucionalizam o processo excludente, formador e propagador da pobreza, caracterizada como um fenômeno estrutural, multidimensional, complexo e relativo, não podendo ser reduzido a meramente uma "insuficiência de renda”. A pobreza é também o fruto da desigualdade na distribuição de riquezas, a inviabilidade ao acesso aos serviços básicos, à informação, ao trabalho e renda digna e a não inserção da população na política e na sociedade.

A pobreza é a expressão direta das relações presentes na sociedade moldada pelo sistema capitalista que propaga a desigualdade e perpetua a acumulação e a miséria. Os pobres são produtos dessas relações, que produzem e reproduzem a desigualdade no plano social, político, econômico e cultural, definindo para eles um lugar na sociedade. Lugar esse em que suas crenças, modos de expressão e comportamentos sociais são desqualificados e colocados como características negativas e indesejáveis resultantes de sua procedência de classe. Portanto, a pobreza não pode ser reduzida a meramente privações materiais. Deve-se analisar a pobreza como uma categoria multidimensional, que engloba questões políticas (carência de direitos, de oportunidades, de informações, de possibilidades e de esperanças), históricas e sociais. 

No Brasil, a pobreza é parte do nosso cotidiano e os impactos destrutivos provenientes das transformações que ocorrem no capitalismo atual vão marcando a população empobrecida: as condições desumanas de trabalho, o desemprego, o sistema de saúde quebrado, as moradias precárias e insalubres, a fome, o cansaço, a ignorância, a revolta, a tensão e o medo são sinais que revelam os limites da condição de vida da população excluída e marginalizada. Esses sinais reforçam o quanto a sociedade pode tolerar a pobreza e banalizá-la e sobretudo, a profunda incompatibilidade entre os ajustes estruturais da economia à nova ordem capitalista internacional e os investimentos sociais do Estado brasileiro. 

A noção de pobreza é ampla e subentende gradações (níveis de pobreza) embora seja uma concepção relativa, considerando a pluralidade das situações que ela comporta. Normalmente a pobreza é medida através de indicadores de renda e emprego, conjuntamente com o usufruto de recursos sociais que interferem na determinação do padrão de vida (educação, transporte, saúde, moradia, aposentadoria etc). Apesar de não homogêneos, os critérios acabam por convergir para o conceito de que pobres são aqueles que, temporariamente ou permanentemente, não possuem acesso a um mínimo de bens e recursos, sendo, portanto, excluídos e marginalizados em graus diferenciados de classes mais altas da sociedade. Entre eles, podemos destacar: os privados de recursos para prover a própria subsistência e que são incapazes de sobreviver sem ajuda; os trabalhadores assalariados ou por conta própria (incluídos em faixas mais baixas de renda) e os desempregados e subempregados.

temos que destacar que há uma grave estigmatização daqueles que são denominados pobres, colocados e marcados pela sociedade através de clichês: “marginais” “inaptos” “problematizados”. Os pobres representam a herança histórica da formação econômica, política e social da sociedade brasileira e é sobre eles que sempre recai a culpa da ausência de mudanças ou atraso da nação. O vemos na sociedade é a anulação do pobre como indivíduo e sua objetificação como mão de obra. a pobreza é tratada como um limbo em que se delineiam precariedades, atrasos do Estado e carências. Estratégias de dominação e subordinação são elementos intrinsecamente ligados à pobreza. É parte da manutenção da engenharia capitalista fazer com que as camadas menos favorecidas se tornem governáveis. Essas estratégias se estabelecem a partir dos meios culturais, sociais, econômicos e religiosos. 

De forma inquestionável a pobreza é uma das formas de descarte de mão de obra barata o qual fez e ainda faz parte da expansão capitalista e é através dela que o trabalho sofreu e sofre as mudanças irreparáveis do processo de acumulação (produtivismo e financeirização). Essa expansão gera uma leva de trabalhadores precarizados, mal pagos, não reconhecidos pela sociedade e que são vistos como inúteis para o mercado de trabalho formal atual. É essa expansão que gera o desamparado, o necessitado, molda a tensão da insegurança no trabalho e resulta na propagação do desemprego permanente, do trabalho em condições desumanas, instáveis e imprevisíveis.

historicamente, a pobreza foi elemento constitutivo da narrativa brasileira ao longo dos anos. Nessa narrativa, os direitos nunca foram reconhecidos como parâmetros na organização político-econômica da sociedade. A nossa sociedade foi pautada em tradições autoritárias, patriarcais e autoritárias e que defendia um privatismo selvagem e inescrupuloso que fazia e faz a vontade dos interesses privados na defesa de privilégios formando assim uma sociedade desigual e assimétrica.

Fontes:

 Condições sanitárias, acesso à saúde e medicamentos

Dentre a população mundial, 7,2 bilhões, em 2015, eram extremamente pobres, 836 milhões sobrevivendo com menos de 1,25 dólares por dia. Na América Latina, são elevadas as desigualdades sociais e o contingente da população pobre, 29% abaixo da linha de pobreza, 30% sem acesso à saúde por questões financeiras, 21% não procuram atendimento por barreiras geográficas . No Brasil, 16,27 milhões de pessoas são pobres (8,6%) e a erradicação da pobreza é um grande desafio socioeconômico. A Linha de Pobreza, no Brasil, define extrema pobreza como a renda familiar per capita menor ou igual a R$77,00 (setenta e sete reais).

Nos cenários de extrema pobreza, o acesso à assistência integral à saúde é um mediador para se alcançar os demais direitos sociais como acesso à educação, nutrição, saneamento básico, habitação e inclusão social e produtiva. No entanto, esse acesso é cada vez mais escasso e difícil de acordo com a gravidade do cenário de exclusão, devido a diversos aspectos (chamado de Determinantes Sociais em saúde), entre eles:  a precária infraestrutura urbana dos serviços públicos nesses territórios, violência local pelo narcotráfico, ausência de transporte público acessível, falta de profissionais e equipamentos, para continuidade dos cuidados. Outras barreiras importantes de acesso à saúde provém de falhas no processo de gestão e direcionamento de recursos, como por exemplo: não expansão e fortalecimento da APS (Assistência Primária à Saúde); ausência de diagnóstico das necessidades prioritárias; carência de tecnologia, recursos materiais, humanos; precária infraestrutura dos serviços; APS com baixa resolutividade e ausência de políticas públicas intersetoriais. Dessa forma, os indivíduos tornam-se desesperançosos quanto aos atendimentos ofertados pelos serviços públicos, desestimulados a buscar assistência, deixando de aderir aos tratamentos e abandonando os poucos cuidados a que tinham acesso. 

São imprescindíveis ações de saúde nesses territórios em extrema pobreza, ações dotadas de coerência, responsabilidade social e sensibilidade ao valorar os problemas locais, adotando medidas que sejam sustentáveis, em longo prazo, para seu enfrentamento com capacidade resolutiva. Essa imprescindibilidade se dá porque a privação no acesso aos direitos de saúde pelas famílias em extrema pobreza impede-lhes de alcançarem e usufruírem da cobertura e acesso universal à saúde, agravando sua exclusão social, segregação espacial e os determinantes sociais da saúde nesses territórios, uma vez que alguém que não é dignamente tratado a fim de estabelecer um estado de saúde minimamente favorável não é capaz de estar no mercado de trabalho, receber educação, e desenvolver-se socialmente. 

Ainda tratando dos Determinantes Sociais, observamos a sua presença e impacto pois, mesmo com o avanço das tecnologias de saúde, não se tem observado a mesma correspondência na melhoria das condições de saúde das populações, principalmente quando estas são estratificadas por áreas geográficas, grupos sociais ou étnicos; afirmando ainda que, “não por acaso, os países pobres apresentam condições de saúde sempre piores quando comparadas aos que são ricos”. Isso ocorre porque as populações em extrema pobreza enfrentam vulnerabilidades que se relacionam com os fatores socioeconômicos, perpetuados pelo sistema capitalista. Dentre esses desafios, estão as precárias condições sanitárias, o escasso acesso à saúde e a medicamentos. 

No Brasil, o saneamento básico, que diz respeito ao tratamento de água, ao fornecimento de água potável à população, à coleta e ao tratamento de esgoto e à fiscalização sanitária, é um direito constitucional ainda não efetivado pelo Estado. Com isso, milhões de brasileiros, principalmente os pertencentes às populações em extrema pobreza, estão sujeitos a condições de insalubridade diariamente, haja vista que para realizar atividades cotidianas, como, por exemplo, cozinhar um alimento ou lavar uma roupa sem prejuízos à saúde, é necessário água tratada. 

As habitações desses indivíduos ficam localizadas em ambientes pautados pela negligência do governo federal, estadual e municipal, o qual não realiza políticas de combate ao cenário insalubre desses indivíduos, muito pelo contrário, muitas vezes são colocadas em prática ações de aprofundamento das condições desumanas. Como dito anteriormente, há uma ideologia enraizada na sociedade de modelo capitalista, a qual impõe a indiferença e o abandono como diretrizes para o tratamento institucional para com essa população. Assim, embora o precário saneamento básico seja um problema que há maneiras de ser enfrentado e resolvido pelos governos, esses tomam caminhos opostos ao combate. Um exemplo disso foi o que ocorreu em São Paulo, em janeiro de 2021, onde a gestão do prefeito Bruno Covas instalou blocos de pedras na parte inferior de viadutos na Zona Leste da capital, que são lugares usados por indivíduos em situação de rua para dormir, passar o dia, comer e viver. Esses viadutos não possuem estrutura sanitária para comportar a demanda higiênica de uma pessoa, sendo um lugar onde é comum a presença de animais carregando doenças, onde lixo é jogado, onde a única forma de limpeza é pela chuva, onde não há banheiro público, ou seja, onde não há o mínimo de medidas sanitárias. Assim, em vez do governo entender que a população em extrema pobreza que sobrevive nas ruas precisa de um suporte para reduzir os danos propiciados pelo local insalubre, ele instala pedras para que essa população não tenha nem ao menos um viaduto para habitar, que já é um lugar completamente desumano de moradia. 

Fica evidente, portanto, que as condições sanitárias dessa população negligenciada não ocorre por acaso ou por culpa desses indivíduos que sofrem com elas, mas fazem parte de um projeto institucional histórico, muito bem estruturado, que tem como finalidade a exclusão e o apagamento dessas pessoas. 

Apesar do Sistema Único de Saúde (SUS) possuir princípios como universalidade de acesso e  igualdade de assistência à saúde, observam-se desigualdades em relação à oferta de serviços de saúde, sendo restrita para parte da população brasileira, principalmente para populações negligenciadas, como é o caso das populações em extrema pobreza. A isso se deve diversas razões como : a baixa proporção entre profissionais de saúde e habitantes, sendo insuficiente para sanar a necessidade da população e do SUS; a desigual distribuição da infraestrutura da atenção básica e dos profissionais no território nacional, de forma que as áreas e comunidades mais pobres são as que contam, proporcionalmente, com menor assistência; o preconceito sofrido por esses indivíduos nos estabelecimentos de saúde, tanto por outros pacientes quanto por trabalhadores no local (incluindo profissionais da saúde); a falta de entendimento por parte dos médicos de que certas ações não podem ser efetivadas para populações em extrema pobreza, como a compra de medicamentos, que ocasiona a prescrição de procedimentos inviáveis, acarretando baixa adesão ao tratamento daqueles que comparecem ao atendimento e, por consequência, um efeito de afastamento desses indivíduos dos postos de saúde. Com esses pontos, fica um pouco mais claro o porquê o acesso à saúde não é de fato concretizado para indivíduos em extrema pobreza, os quais não possuem, em certas situações, nem água tratada para se limpar. 

O acesso à saúde vai além dos atendimentos em unidades básicas de saúde, haja vista que esse direito é negado no momento em que o Estado não proporciona condições sanitárias adequadas às pessoas, habitações sem risco, possibilidade de emprego digno entre outros. Então, o fato do SUS não conseguir comportar o atendimento de populações em extrema pobreza é somente uma consequência de um cenário muito mais complexo, em que a raiz do problema vem historicamente sendo construída pelos governos de forma a nunca ser solucionada. 

Em relação ao acesso das populações em extrema pobreza a medicamentos e tecnologias em saúde, coloca-se em pauta uma possível responsabilização internacional dos agentes governamentais e não-governamentais (em especial, as empresas farmacêuticas transnacionais), cujas ações violam os imperativos do direito universal à saúde. Afinal, o preço abusivo dos fármacos, capaz de inviabilizar seu acesso, cumulado com a temática da insuficiência ou inexistência de Pesquisa e Desenvolvimento - P&D para as doenças negligenciadas, face ao ínfimo interesse econômico que despertam, ensejam a tomada de consciência mundial para crise do acesso à saúde, como negação a um direito humano elementar.

Ato contínuo, a constatação da reprodução dos fenômenos da Pobreza e da Exclusão (explicitada pelas Doenças Negligenciadas) através do agir estratégico de agentes governamentais e não-governamentais (farmacêuticas transnacionais, para o tema em apreço) desperta a atenção para a possibilidade de uma responsabilização internacional desses entes, pela violação ao Direito à Saúde que perpetuam mediante suas ações político-econômicas descomprometidas com os princípios basilares de Direitos Humanos.

 

FONTES:

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25882-extrema-pobreza-atinge-13-5-milhoes-de-pessoas-e-chega-ao-maior-nivel-em-7-anos

https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-11692016000100319&script=sci_arttext&tlng=pt 

https://scielosp.org/article/csc/2020.v25n5/1699-1708/pt/

Doenças Negligenciadas, Pobreza e Exclusão Social: mera COINCIDÊNCIA GEOGRÁFICA? Neglected diseases, poverty and social exclusion: a mere geographic coincidence? Thana Cristina de Campos*

      

                                                                                                                              TUBERCULOSE

A tuberculose pode ser considerada uma das doenças infecciosas mais antigas da humanidade, mesmo q as modificações nas estimativas de incidência da tuberculose possuem maior relação com as mudanças nos índices socioeconômicos e estado geral de saúde populacional do que ao desempenho de programas de controle desse agravo. ue seja suscetível a um tratamento efetivo, ainda permanece atualmente como um problema mundial de saúde pública, devido a sua ampla dispersão geográfica, emergência de casos multirresistentes e coinfecção com HIV. No ano de 2010 ocorreram pelo mundo aproximadamente 8,8 milhões de novos casos, 1,1 milhão de óbitos entre não portadores de HIV e 400.000 óbitos entre soropositivos para HIV.

A forte influência das condições de vida no processo de transmissão da doença vem alertando ao profundo e crônico quadro de desigualdades socioeconômicas que levam a iniquidades sociais em saúde. Estudos apontam que

Em países subdesenvolvidos/em desenvolvimento, determinantes sociais, como pobreza, baixa escolaridade, situações de confinamento, pessoas vivendo em situação de rua, abuso de drogas e indivíduos marginalizados, com difícil acesso aos serviços de saúde formam o grande grupo de pessoas vulneráveis entre as quais a tuberculose se propaga, contribuindo para enraizar a doença e a miséria.

A tuberculose tem o dobro da incidência nos homens (49,6/100.00 habitantes) em relação às mulheres (24,6/100.000 habitantes). No Brasil, o grupo na faixa etária que vai dos 20 aos 49 anos é o mais atingido pela doença, abrangendo em torno de 63% dos casos novos da doença registrados em 2009.  O maior acometimento de indivíduos com tais características poderia ser reflexo da mobilidade espacial, resultando em maiores taxas de contato social. Nas populações mais vulneráveis, as taxas de incidência são maiores do que a média nacional da população geral. É duas vezes maior na população negra e quatro vezes maior na indígena. Na população carcerária, a taxa é 25 vezes maior e, entre os portadores de HIV, é 30 vezes maior. Na população vivendo em situação de rua, a taxa chega a ser 67 vezes maior. Quanto ao risco anual de desenvolvimento de tuberculose ativa, a desnutrição e o diabetes elevam o risco em 2-4 vezes, o uso de imunossupressores eleva o risco em 2-12 vezes (a carência alimentar, dietas com baixo valor proteico relacionam-se a alterações na função imunológica mediada por células T, tornando o organismo mais suscetível à infecção por Mycobacterium tuberculosis e ao desenvolvimento da doença), a silicose o aumenta em 8-34 vezes, e a infecção por HIV o aumenta em 50- 100 vezes. 

A população carcerária no Brasil conta com 470 mil presos, segundo dados de 2009. É composta, em sua grande maioria, de uma população jovem, negra ou parda, pobre e de baixa escolaridade. Considerando que esse número aumentou 103% em relação a 2001 e que o número de estabelecimentos prisionais cresceu 27%, pode-se deduzir daí a superlotação e as precárias condições de ventilação e iluminação dessas instituições, explicando a taxa de incidência da tuberculose no sistema penitenciário de 2.560/100.000 (3.532/100.000 em prisões do Rio de Janeiro).

 

A DOENÇA (tuberculose)

  • Agente etiológico -  A doença é causada pelo Mycobacterium tuberculosis ou bacilo de Koch (homenagem ao médico alemão Robert Koch que identificou a bactéria).

  • Reservatório - O reservatório principal é o homem. Em geral, a fonte de infecção é o indivíduo com a forma pulmonar da doença, que elimina bacilos para o exterior (bacilífero). Calcula-se que durante um ano, numa comunidade, um indivíduo bacilífero poderá infectar, em média, de 10 a 15 pessoas.

  • Modo de transmissão -  transmitida de pessoa a pessoa, principalmente através do ar. A fala, o espirro e, principalmente, a tosse de um doente de tuberculose pulmonar bacilífera lança no ar gotículas, de tamanhos variados, contendo no seu interior o bacilo. As gotículas mais pesadas depositam-se rapidamente no solo, enquanto que as mais leves podem permanecer em suspensão por diversas horas. Os bacilos que se depositam nas roupas, lençóis, copos e outros objetos dificilmente se dispersarão em aerossóis e, por isso, não desempenham papel importante na transmissão da doença.

  • Período de incubação - Após a infecção pelo M. tuberculosis, transcorrem, em média, 4 a 12 semanas para a detecção das lesões primárias. A maioria dos novos casos de doença pulmonar ocorre em torno de 12 meses após a infecção inicial. A probabilidade de o indivíduo vir a ser infectado, e de que essa infecção evolua para a doença, depende de múltiplas causas, destacando-se, dentre estas, as condições socioeconômicas e algumas condições médicas (diabetes mellitus, silicose, uso prolongado de corticosteróide ou outros imunossupressores, neoplasias, uso de drogas e infecção pelo HIV). A evolução do quadro clínico dependerá de o indivíduo estar sendo infectado pela primeira vez (primo-infecção) ou reinfectado (reinfecção exógena). A primo-infecção pode causar a doença dependendo da virulência do bacilo, da fonte infectante e das características genéticas dos indivíduos infectados. Em novo contato, após uma infecção natural ou induzida pela BCG, a resistência dependerá da resposta imunológica.

  • Período de transmissibilidade - transmissão é plena enquanto o doente com a forma clínica de tuberculose pulmonar bacilífera eliminar bacilos e não tiver iniciado o tratamento. Com o esquema terapêutico recomendado, a transmissão é reduzida, gradativamente, a níveis insignificantes, ao fim de poucos dias ou semanas. As crianças com tuberculose pulmonar geralmente não são infectantes.

  • Manifestações clínicas 

    • período de infecção: considerando uma primo-infecção, aproximadamente, em 15 dias os bacilos podem multiplicar-se livremente, porque ainda não existe imunidade adquirida. Nesse período, os bacilos podem, a partir da lesão pulmonar, atingir a via linfo-hematogênica, comprometendo os linfonodos e órgãos dos diversos sistemas e aparelhos, principalmente o fígado, o baço, a medula óssea, os rins e o sistema nervoso. Essa disseminação, de poucos bacilos, é considerada “benigna”: os bacilos ficarão latentes ou serão destruídos pela ação da imunidade que se instalará. No início da 3ª semana, o organismo normal, reconhecendo a presença de elemento estranho, é capaz de mobilizar seu sistema de defesa imunológico específico visando a destruição ou inativação do agente agressor. Passa a haver, então, no pulmão, no local da inoculação inicial, um foco que é circundado por afluxo celular de linfócitos, células epitelióides (macrófagos ativados e modificados) e macrófagos (foco primário). Normalmente, esse nódulo é único, mas há relatos da existência de múltiplos focos primários e de focos maiores. Cerca de 90% da população infectada consegue bloquear o avanço do processo, a partir da formação do complexo primário de Ranke, permanecendo apenas como infectados

    • Remissão: apesar de ocorrer a cura espontânea, em alguns casos, a remissão dos sintomas e a respectiva cura do paciente só ocorre após o tratamento apropriado. Devido à remissão dos sintomas, alguns pacientes abandonam o tratamento no início. O agente então persiste no organismo, que fica exposto a recidivas e a resistência a drogas. Dependendo da extensão das lesões pulmonares, várias sequelas podem permanecer, apesar da cura bacteriológica, resultantes da destruição do parênquima pulmonar e da arquitetura brônquica. As mais importantes complicações, clinicamente, são: distúrbio ventilatório obstrutivo e/ou restritivo;  infecções respiratórias de repetição; formação de bronquiectasias; atelectasias; hemoptise; empiemas.

  • Correlação com a aids - A infecção pelo HIV aumenta o risco de desenvolvimento de tuberculose ativa em 20 vezes, tanto por reativação de infecção latente pelo Mycobacterium tuberculosis (ILTB) como por reinfecção. O HIV não só tem contribuído para um crescente número de casos de Tuberculose como também tem sido um dos principais responsáveis pelo aumento da mortalidade entre os pacientes co-infectados. Devido à sua alta patogenicidade, o M. tuberculosis ativa-se mais precocemente que outros agentes oportunistas associados à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), como o Pneumocystis carinii, em situações de diminuição das atividades normais do sistema imunológico. Ao desenvolver a tuberculose ativa, observa-se que os pacientes coinfectados apresentam a contagem dos linfócitos CD4 mais alta. Por outro lado, também é possível que o M. tuberculosis ative a replicação do HIV acelerando a progressão do quadro clínico da AIDS.

 

  • Diagnóstico laboratorial:  bacterioscópico: baciloscopia e cultura; radiológico; tomografia computadorizada do tórax;  broncoscopia; outros: prova tuberculínica cutânea (PPD); anátomo-patológico (histológico e citológico); sorológico, bioquímico, biologia molecular.

  • Tratamento - A tuberculose é uma doença curável em praticamente 100% dos casos novos, desde que os princípios da quimioterapia sejam seguidos. O tratamento dos bacilíferos é a atividade prioritária de controle da tuberculose, uma vez que permite anular rapidamente as maiores fontes de infecção. Poucos dias após o início da quimioterapia, os bacilos da tuberculose praticamente perdem seu poder infectante. Assim, os doentes “pulmonares positivos” não precisam, nem devem, ser segregados do convívio familiar e comunitário. A associação medicamentosa adequada, doses corretas, uso por tempo suficiente, com supervisão da tomada dos medicamentos, são os meios utilizados para evitar a persistência bacteriana e o desenvolvimento de resistência às drogas, assegurando a cura do paciente. O tratamento da tuberculose deve ser feito em regime ambulatorial, supervisionado, no serviço de saúde mais próximo, na residência ou no trabalho do doente.

  • Imunização - A vacina BCG, é preparada a partir de uma cepa derivada do Mycobacterium bovis, atenuada por sucessivas passagens através de meio de cultura. Confere poder protetor às formas graves de tuberculose, decorrentes da primo-infecção. No Brasil, é prioritariamente indicada para as crianças de 0 a 4 anos de idade, sendo obrigatória para menores de um ano, como dispõe a Portaria nº 452, de 6/12/76, do Ministério da Saúde. Recomenda-se a revacinação com BCG nas crianças com 10 anos de idade, dose que pode ser antecipada para os seis anos, independente de ter ou não cicatriz vacinal. Não há necessidade de revacinação caso a primeira vacinação por BCG tenha ocorrido aos seis anos de idade ou mais. Os recém-nascidos e crianças soropositivas para HIV, ou filhos de mães com aids, desde que não apresentem os sintomas da doença, deverão ser vacinados. 

 

Referências: 

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Guia_Vig_Epid_novo2.pdf

http://www.sopterj.com.br/wp-content/themes/_sopterj_redesign_2017/_revista/2012/n_01/02.pdf

https://www.scielosp.org/article/rpsp/2013.v33n4/294-301/pt/

https://www.scielosp.org/article/ssm/content/raw/?resource_ssm_path=/media/assets/rsp/v41s1/6545.pdf

https://www.scielosp.org/article/rsp/1997.v31n4/323-329/pt/

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/tratamento_diretamente_observado_tuberculose.pdf


 

                                                                                                                                      HANSENÍASE

Apesar de ser uma doença curável e de baixo contágio, a Hanseníase é carregada, desde a Antiguidade, de estigmas, sendo associada ao pecado e desonra, e no Brasil, até a década de 60 era tratada através de internações compulsórias.  Atualmente, apesar do declínio na prevalência da doença em muitos países, a Hanseníase atinge cerca de 200 mil pessoas/ano, sendo que a cada 10 casos novos no mundo, 1 ocorre no Brasil (Opas/ONU). Indivíduos que vivem em condições de pobreza são mais vulneráveis, sendo que as chances de ser portador da doença dobram quando há ausência de renda, escolaridade e/ou condições inadequadas de habitação

 Um estudo recém-publicado no periódico The Lancet Global Health aponta que indivíduos residentes das regiões norte ou Centro-Oeste têm de 5 a 8 vezes mais chances de contrair a doença. Pessoas em situação de pobreza (sem renda ou com renda per capita abaixo de R$ 250 por mês) apresentaram um risco 40% maior em relação aos indivíduos que ganham acima de um salário. Pessoas de sexo masculino também estão mais suscetíveis à doença.

Quando analisados somente os dados de pessoas de até 15 anos, crianças da raça/cor preta possuem 92% mais risco de adoecer do que os da branca – essa taxa é de 40% quando incluída a população adulta. A aglomeração de pessoas na mesma casa e ausência de energia elétrica também foram consideradas fatores de risco nesta faixa etária. A ausência de rede pública de saneamento e residir em moradias de materiais como taipa e madeira também foram relacionados com maior risco de adoecimento pela hanseníase.

Além disso, devido a doença deixar manchas pelo corpo, alterações da sensibilidade no local da mancha associado à perda de pelos e ausência de transpiração e também a perda de tônus muscular e incapacidades físicas (reduzindo ou eliminando a oportunidades de emprego e subsistência), os indivíduos acometidos pela doença são estigmatizados e isolados da sociedade, apresentando um comportamento recluso e sendo vítima do medo relacionado ao preconceito e a descriminação. A persistência da doença ainda gera impactos socioeconômicos levando a perdas produtivas e gastos em saúde que acarretam na perda de milhões a cada ano com tratamentos ambulatoriais, internações, além de anos vividos com incapacidade e anos de trabalho potencialmente perdidos

A DOENÇA (Hanseníase)

 

  • Agente etiológico - doença causada por uma bactéria bacilo álcool-ácido resistente, Mycobacterium leprae. É um parasita intracelular obrigatório que apresenta afinidade por células cutâneas e por células dos nervos periféricos

  • Reservatório - O homem é reconhecido como a única fonte de infecção, embora tenham sido identificados animais naturalmente infectados – o tatu, o macaco mangabei e o chimpanzé

  • Modo de transmissão - a principal via de eliminação dos bacilos é a aérea superior, sendo que o trato respiratório é a mais provável via de entrada do Mycobacterium leprae no corpo. 

  • Período de incubação - a hanseníase apresenta longo período de incubação; em média, de dois a sete anos. Há referência a períodos mais curtos, de sete meses, como também de mais de dez anos.

  • Período de transmissibilidade - os doentes paucibacilares (indeterminados e tuberculóides) não são considerados importantes como fonte de transmissão da doença, devido à baixa carga bacilar. Os pacientes multibacilares, no entanto, constituem o grupo contagiante, assim se mantendo enquanto não se iniciar o tratamento específico.

  • Manifestações clínicas - as manifestações clínicas da hanseníase são muito variáveis e estão relacionadas com o grau de imunidade do paciente frente ao Mycobacterium leprae.

    • Hanseníase indeterminada: forma inicial, evolui espontaneamente para a cura na maioria dos casos ou evolui para as chamadas formas polarizadas em cerca de 25% dos casos, o que pode ocorrem em 3 a 5 anos. Geralmente, encontra-se apenas uma lesão, de cor mais clara que a pele normal, com distúrbio da sensibilidade, ou áreas circunscritas de pele com aspecto normal e com distúrbio de sensibilidade, podendo ser acompanhadas de alopécia e/ou anidrose. Mais comum em crianças. 

    • Hanseníase Tuberculoide: forma mais benigna e localizada, ocorre em pessoas com alta resistência ao bacilo. As lesões são poucas (ou única), de limites bem definidos e um pouco elevados e com ausência de sensibilidade (dormência). Ocorre comprometimento simétrico de troncos nervosos, podendo causar dor, fraqueza e atrofia muscular. Próximo às lesões em placa podem ser encontrados filetes nervosos espessados. Nas lesões e/ou trajetos de nervos pode haver perda total da sensibilidade térmica, tátil e dolorosa, ausência de sudorese e/ou alopécia. Pode ocorrer a forma nodular infantil, que acomete crianças em 1 a 4 anos, quando há um foco multibacilar no domicílio. A clínica é caracterizada por lesões papulosas ou nodulares, únicas ou em pequeno número, principalmente na face.

    • Hanseníase virchowiana (ou lepromatosa): nestes casos a imunidade celular é nula e o bacilo se multiplica muito, levando a um quadro mais grave, com anestesia dos pés e mãos que favorecem os traumatismos e feridas que podem causar deformidades, atrofia muscular, inchaço das pernas e surgimento de lesões elevadas na pele (nódulos). As lesões cutâneas caracterizam-se por placas infiltradas e nódulos (hansenomas), de coloração eritemato-acastanhada ou ferruginosa que podem se instalar também na mucosa oral. Pode ocorrer inflitração facial com madarose superciliar e ciliar, hansenomas nos pavilhões auriculares, espessamento e acentuação dos sulcos cutâneos. Pode ainda ocorrer acometimento da laringe, com quadro de rouquidão e de órgãos internos (fígado, baço, suprarrenais e testículos), bem como, a hanseníase históide, com predominância de hansenomas com aspecto de quelóides ou fibromas, com grande número de bacilos. Ocorre comprometimento de maior número de troncos nervosos de forma simétrica. 

    • Hanseníase Dimorfa (ou Borderline): forma intermediária que é resultado de uma imunidade também intermediária, com características clínicas e laboratoriais que podem se aproximar do polo tuberculoide ou virchowiano. O número de lesões cutâneas é maior e apresentam-se como placas, nódulos eritemato acastanhadas, em grande número, com tendência a simetria. As lesões mais características nesta forma clínica são denominadas lesões pré foveolares ou foveolares, elevadas ou não, com áreas centrais deprimidas e aspecto de pele normal, com limites internos nítidos e externos difusos. O acometimento dos nervos é mais extenso podendo ocorrer neurites agudas de grave prognóstico.

  • Diagnóstico laboratorial - exames baciloscópico,  histopatológico

  • Tratamento -  tratamento do paciente com hanseníase é indispensável para curá-lo e fechar a fonte de infecção, interrompendo assim a cadeia de transmissão da doença, sendo portanto estratégico no controle da endemia e para eliminar a hanseníase. O quantitativo dos medicamentos utilizados é calculado com base no número de casos, pela equipe técnica do Programa Nacional de Eliminação da Hanseníase, conjuntamente com a assistência farmacêutica, garantindo o tratamento de todos os pacientes. O tratamento é eminentemente ambulatorial. Nos serviços básicos de saúde, administra-se uma associação de medicamentos, a poliquimioterapia (PQT/OMS). A regularidade do tratamento é fundamental para a cura do paciente

  • Imunização - vacinação BCG. Aplicação de duas doses da vacina BCG-ID a todos os contatos intradomiciliares dos casos de hanseníase

 

Referências: https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S2214-109X%2819%2930260-8

https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-71672019000501405&script=sci_arttext&tlng=pt

http://www.dive.sc.gov.br/conteudos/agravos/publicacoes/manifestacoes-clinicas-da-hanse-niase.pdf

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Guia_Vig_Epid_novo2.pdf



 

                                                                                                                                 ESQUISTOSSOMOSE 

 

Segundo a OMS, a esquistossomose é uma doença tropical negligenciada, termo que não pode ser entendido a partir de uma perspectiva de determinismo geográfico, mas sim que o clima, apesar de não ser o único fator, é essencial para a disseminação dessa doença. Assim, doenças tropicais negligenciadas estão presentes em zonas tropicais onde há fatores de subdesenvolvimento e desigualdade sócio-econômica impostos historicamente. 

O Brasil é um país localizado em zona tropical e que possui uma construção de sociedade extremamente desigual, sendo que a parcela de renda do 1% dos mais ricos é da mesma dimensão dos 50% mais pobres. Enquanto uma pequena parte da sociedade possui acesso a todos os direitos constitucionais, a outra grande parte é deficitária em diversos aspectos, como saneamento básico, água encanada, acesso a postos de saúde, acesso a medicamentos, alimentação de qualidade entre outros, sendo que os governos em geral, em vez de combaterem esse cenário, somente o aprofunda. Fica claro, portanto, que o país é um terreno fértil para o acometimento de doenças tropicais negligenciadas. 

As populações brasileiras mais acometidas por essas doenças estão nas periferias das grandes cidades e em áreas rurais, locais em que há maior índice de negligência. [1] Na América, o Brasil é o país onde há maior quantidade de casos registrados, com uma estimativa de 2 milhões de pessoas infectadas, as quais estão distribuídas em 19 estados, sendo que a maior parcela (80%) é residente da região Nordeste. [3]

 


 

Apesar do Brasil e a América Latina serem países com alta incidência de esquistossomose, a região com maior carga global da doença é a África Subsaariana. No mundo, é estimado que cerca de 200 milhões de pessoas são acometidas. Nessa região da África, por volta de 192 milhões de habitantes são acometidos pela doença, principalmente, crianças em idade escolar, adolescentes e jovens adultos. [1] Vale ressaltar que há divergências em relação às estimativas da prevalência e acometimento da doença nas diversas regiões do globo. Os dados aqui presentes são os mais citados nas referências usadas, entretanto, há artigos e documentos em saúde que estimam números bem mais altos. 

 

A DOENÇA (esquistossomose)

  • Agente etiológico - na América Central e do Sul, a doença é causada pelo verme platelminto Schistosoma mansoni 

  • Reservatório - existem alguns animais, como roedores, marsupiais e ruminantes que são acometidos por infecção natural 

  • Modo de transmissão - o ciclo da doença é composto por hospedeiros intermediários (caramujos de água doce da família Biomphalaria) e definitivo (homem). A transmissão no homem se dá pela penetração ativa da cercária livre (forma infectante do verme) na pele, quando o indivíduo entra em contato com água infectada por cercárias. Assim, a doença possui veiculação hídrica. O homem infectado elimina ovos do verme pelas fezes. 

 

  • Período de incubação -  cerca de 1 a 2 meses após a penetração das cercárias através da pele. Esse tempo corresponde à fase de penetração das cercárias, ao seu desenvolvimento e à instalação dos vermes adultos no interior do hospedeiro definitivo

  • Período de transmissibilidade - o homem infectado pode eliminar ovos viáveis do verme a partir de 5 semanas após a infecção e essa eliminação pode variar entre 6 a 10 anos. Os caramujos podem eliminar cercárias após 4 a 7 semanas de infecção pelos miracídios e essa eliminação se dá por aproximadamente um ano (tempo de vida do caramujo) 

  • Manifestações clínicas - pode ser classificada em fase inicial e fase tardia. Na fase inicial, a maioria dos indivíduos não apresentam sintomas da doenças. Entretanto, há uma parcela sintomática, a qual é acometida por manifestações pruriginosas na pele (semelhantes a picadas de inseto e eczema de contato), que podem durar até 5 dias após a infecção, por febre de Katayama, que pode ocorrer após 3 a 7 semanas de exposição e por outros sintomas como linfodenopatia, cefaleia, anorexia e dor abdominal. Ao exame físico, pode ser encontrada hepatomegalia. Na fase tardia, as formas crônicas da doença aparecem após 6 meses da infecção, podendo durar vários anos. As manifestações clínicas variam de acordo com a localização da instalação do verme adulto, da intensidade do parasitismo, da capacidade de resposta imunológica do indivíduo e do tratamento instituído. Apresentam-se nas formas hepatointestinal, hepática, hepatoesplênica compensada, hepatoesplênica descompensada, vasculopulmonar, neuroesquistossomose entre outras menos frequentes. 

  • Hepatointestinal – caracteriza-se pela presença de diarreias e epigastralgia. Ao exame físico, o paciente apresenta fígado palpável, com nodulações que, nas fases mais avançadas dessa forma clínica, correspondem a áreas de fibrose decorrentes de granulomatose periportal ou Fibrose de Symmers.

  • Hepática – a apresentação clínica dos pacientes pode ser assintomática ou com sintomas da forma hepatointestinal. Ao exame físico, o fígado é palpável e endurecido, à semelhança do que acontece na forma hepatoesplênica. Na ultrassonografia, verifica-se a presença de fibrose hepática, moderada ou intensa.

  • Hepatoesplênica compensada – a característica fundamental desta forma é a presença de hipertensão portal, levando à esplenomegalia e ao aparecimento de varizes no esôfago. Os pacientes costumam apresentar sinais e sintomas gerais inespecíficos, como dores abdominais atípicas, alterações das funções intestinais e sensação de peso ou desconforto no hipocôndrio esquerdo, devido ao crescimento do baço. Às vezes, o primeiro sinal de descompensação da doença é a hemorragia digestiva com a presença de hematêmese e/ou melena. Ao exame físico, o fígado encontra-se aumentado, com predomínio do lobo esquerdo, enquanto o baço aumentado mostra-se endurecido e indolor à palpação. A forma hepatoesplênica predomina nos adolescentes e adultos jovens.

  • Hepatoesplênica descompensada – inclui as formas mais graves de esquistossomose mansoni, responsáveis pelos óbitos. Caracteriza-se por diminuição acentuada do estado funcional do fígado. Essa descompensação relaciona-se à ação de vários fatores, tais como os surtos de hemorragia digestiva e consequente isquemia hepática e fatores associados (hepatite viral, alcoolismo).

 

  • Diagnóstico laboratorial -  consiste na realização de exames coproscópicos, os quais são exames que detectam algum parasita e o seu tipo por meio de uma amostra de fezes. Para fins de diagnósticos individuais nas áreas de baixa endemicidade, recomenda-se que seja realizado de forma complementar testes sorológicos, como Imunofluorescência Indireta (IF) com pesquisa de IgM e o Ensaio imunoenzimático (ELISA), que são ofertados pelo SUS. 

 

  • Tratamento - baseia-se na utilização do único medicamento disponível, o praziquantel, para a cura da infecção, o qual é preconizado para todas as formas clínicas da doença, respeitados os casos de contraindicações. 

 

PREVENÇÃO 

 

A prevenção de doenças negligenciadas em populações de extrema pobreza vai além de medidas individuais, como vacinação, procura precoce de postos de saúde, adesão ao tratamento, não entrar em contato com água contaminada, não eliminar fezes em lagos entre outros. Isso se deve, pois essa população, na maioria dos casos, não possui a possibilidade de realizar tais prevenções, isto é, as medidas profiláticas não são opcionais, cabendo ao indivíduo decidir seguí-las ou não. O cenário é muito mais complexo, haja vista que as pessoas em situação de extrema pobreza não podem realizar ações seguras devido às situações deficitárias que permeiam suas vidas, como condições precárias de saneamento básico e de moradia, fome, desemprego, falta de acesso à saúde. Por exemplo, uma pessoa que vive em um local sem saneamento básico e que possui apenas uma fonte de água contaminada com cercárias para lavar roupa e banhar-se não consegue acatar a medida profilática “não entrar em contato com água contaminada” da esquistossomose. 

Fica evidente, portanto, que são necessárias ações governamentais para a real prevenção das doenças negligenciadas, como a promoção de saneamento básico, de acesso à saúde, de acesso à vacinação, de habitação segura, de empregos dignos e de educação pública de qualidade e de acesso a medicamentos. 


 

Referências : 

[1] https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/7983/1/Anderson%20de%20Jesus%20Rocha%20(2012.1).pdf

[2] https://www.editorarealize.com.br/index.php/artigo/visualizar/19311

[3] http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742019000200022

 

[4] http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigilancia_esquistossome_mansoni_diretrizes_tecnicas.pdf

[5] https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/outubro/06/Volume-Unico-2017.pdf

MALÁRIA

Introdução: As doenças negligenciadas são aquelas causadas por agentes infecciosos ou parasitas e são consideradas endêmicas em populações mais vulneráveis. Essas enfermidades também apresentam indicadores inaceitáveis e investimentos reduzidos em pesquisas, produção de medicamentos e em seu controle. As doenças tropicais, como a malária, continuam sendo algumas das principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo. Estas enfermidades, conhecidas como doenças negligenciadas, incapacitam ou matam milhões de pessoas e representam uma necessidade médica importante que permanece não atendida. Embora as doenças tropicais sejam responsáveis por 11,4% da carga global de doença, apenas 21 (1,3%) dos 1.556 novos medicamentos registrados entre 1975 e 2004, foram desenvolvidos especificamente para essas doenças. Portanto, 1.535 medicamentos foram registrados para outras doenças.

A malária é uma doença infecciosa, febril, potencialmente grave, causada pelo parasita do gênero Plasmodium, transmitido ao homem, na maioria das vezes pela picada de mosquitos do gênero Anopheles infectados. No entanto, também pode ser transmitida pelo compartilhamento de seringas, transfusão de sangue ou até mesmo da mãe para o feto, na gravidez.

Agente Causador: No Brasil existem três espécies de Plasmodium que afetam o ser humano: P. falciparum, P. vivax e P. malariae.

Sintomas: Após a picada do mosquito transmissor, o P. falciparum permanece incubado no corpo do indivíduo infectado por pelo menos uma semana. A seguir, surge um quadro clínico variável, que inclui calafrios, febre alta (no início, contínua, e depois com frequência de três em três dias), sudorese e dor de cabeça. Podem ocorrer também dor muscular, taquicardia, aumento do baço e, por vezes, delírios. No caso de infecção por P. falciparum, também existe uma chance em dez de se desenvolver o que se chama de malária cerebral, responsável por cerca de 80% dos casos letais da doença. Na malária cerebral, além da febre, pode aparecer dor de cabeça, ligeira rigidez na nuca, perturbações sensoriais, desorientação, sonolência ou excitação, convulsões, vômitos, podendo o paciente chegar ao coma.

Se o agente causador da malária for da espécie P. vivax os sintomas incluem mal-estar, calafrios, febre inicialmente diária (com o tempo, a febre apresenta um padrão de intervalo a cada dois dias), seguida de suor intenso e prostração. O quadro clínico da infecção por P. malariae é bem semelhante, mas geralmente com febre mais baixa que se repete a cada três dias.

Prevenção: As medidas preventivas e o tratamento para as doenças tropicais negligenciadas, como a malária, são conhecidos, mas não são disponíveis universalmente nas áreas mais pobres do mundo. Em alguns casos, o tratamento é relativamente barato. A prevenção da malária consiste no controle/eliminação do mosquito transmissor e pode se dar por meio de diversas medidas, como o uso de mosquiteiros impregnados ou não com inseticidas, roupas que protejam pernas e braços, telas em portas e janelas, repelentes. Medidas coletivas incluem drenagem de coleções de água, obras de saneamento para eliminação de criadouros do vetor, aterro, limpeza das margens dos criadouros, melhoramento da moradia e das condições de trabalho, uso racional da terra, ou seja, políticas que tenham planejamento público e investimento governamental, com interesse genuíno em minimizar os índices das doenças negligenciadas. 

 

HELMINTÍASE

A infecção por helmintos é causada por meio do contato com o solo contaminado com ovos embrionados ou larvas dos parasitas, ingestão de água e/ou alimentos contaminados e é mais comum nos países em desenvolvimento, onde as precárias condições socioeconômicas estão vinculadas à falta de acesso à água potável e ao saneamento adequado. A associação desses fatores com a falta de informação específica sobre os parasitas se configura como um grave problema de saúde pública, afetando mais as populações desfavorecidas. A Organização Panamericana da Saúde, vinculada à Organização Mundial da Saúde, estima que no mundo 820 milhões de pessoas estejam infectadas por Ascaris lumbricoides, 460 milhões por Trichuris trichiura e 440 milhões por ancilostomídeos.

No Brasil, estas infecções estão presentes em todas as regiões, ocorrendo principalmente nas zonas rurais e periferias de centros urbanos que se destacam pela ausência de saneamento básico e pouco conhecimento sobre transmissão e prevenção. Os dados apresentados nos gráficos abaixo foram levantados durante os inquéritos de Esquistossomose e Geohelmintoses, realizados entre os anos 2005 e 2016 e indicam que a ocorrência da infecção com estes helmintos tem diminuído nas regiões Sul e Sudeste, mas continuam elevadas nas regiões Norte e Nordeste.

 

Segundo o Plano de Ação estabelecido pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para 2016 a 2022, os objetivos e as prioridades gerais para o enfrentamento dos geo-helmintos podem ser alcançados por meio de linhas de ação estratégicas que visam a prevenção, o controle e a redução da carga destas infecções. A principal estratégia de saúde pública para controlar a carga das geo-helmintíases em áreas específicas consiste no tratamento preventivo utilizando a adoção de intervenções articuladas e integradas. Dessa forma, o trabalho conjunto das equipes de vigilância em saúde e da Atenção Básica tornará possível a cobertura satisfatória da população de risco. As atividades integradas envolvendo a escola e abordando outras doenças infecciosas negligenciadas aumentam o custo-efetividade e melhoram o impacto sanitário, as vantagens políticas, a comodidade logística e o momento da intervenção.

Na maioria das vezes, os portadores dos geo-helmintos são assintomáticos. Entretanto, altas cargas parasitárias e ocorrência de poliparasitismo podem desencadear algumas manifestações clínicas severas. Na fase inicial, o paciente pode apresentar febre, suor, fraqueza, palidez, náuseas e tosse. Após o surgimento das formas adultas no intestino podem ocorrer: desconforto abdominal, cólicas intermitentes, perda de apetite, diarreia, dores musculares e anemia de diversos graus.

A falta de serviços de saneamento pode acarretar a incidência de mais de 100 doenças, dentre elas as geohelmintíases. Saneamento é o conjunto de serviços e medidas que incluem abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza e drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas da chuva para prevenir doenças e promover a saúde, melhorando a qualidade de vida da população. No Brasil, o saneamento básico é um direito assegurado pela Constituição, definido pela Lei nº. 11.445/2007, e é considerado um direito humano essencial pela declaração da Organização das Nações Unidas (ONU, 2010).

A prevalência dessas parasitoses está associada também ao crescimento acelerado dos centros urbanos, levando ao estabelecimento de comunidades marginais em grandes aglomerados humanos em áreas periféricas, geralmente desprovidas de infraestrutura sanitária mínima, criando condições para transmissão destas endemias. Em locais com serviços de saneamento deficientes, as doenças podem ocorrer devido à contaminação de águas residuais que escoam a céu aberto em valas nas ruas ou são despejadas sem coleta e tratamento. A falta ou intermitência 24 no acesso à água também pode causar doenças, pois a escassez impede a higiene adequada individual e do ambiente. Resíduos sólidos sem coleta e destinação adequada e falta de estruturas de drenagem urbana da água de chuva também acarretam sérios problemas na saúde da população. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) e Instituto Trata Brasil, 50,3% da população têm acesso à coleta de esgoto, ou seja, mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso a este serviço. Mais de 3,5 milhões de brasileiros, nas 100 maiores cidades do país, despejam esgoto irregularmente, mesmo tendo redes coletoras disponíveis.

Ainda, segundo o Instituto Trata Brasil o tratamento do esgoto no país mostra que na região Norte, apenas 16,4% do esgoto coletado é tratado; na região Nordeste apenas 32,1%, na região Sudeste 47,4%, na região Sul 41,4% e na região Centro-Oeste 50,2%.

TRACOMA

O tracoma é uma afecção inflamatória ocular crônica, uma ceratoconjuntivite crônica recidivante que, em decorrência de infecções repetidas, produz cicatrizes na conjuntiva palpebral, podendo levar à formação de entrópio (pálpebra com a margem virada para dentro do olho) e triquíase (cílios invertidos tocando o olho). As lesões resultantes deste atrito podem levar a alterações da córnea, causando cegueira. É a principal causa de cegueira evitável no mundo. O agente etiológico do tracoma é uma bactéria Gram negativa, a Chlamydia trachomatis.

O tracoma não existia entre as populações nativas do Continente Americano. A doença foi trazida pela colonização e imigração européias. Relata-se que teria sido introduzido no Brasil a partir do século XVIII, no nordeste (com a deportação de indivíduos expulsos de Portugal) e se estabelecido nas províncias do Ceará e Maranhão, constituindo-se então nos primeiros focos de tracoma no país.

Segundo inquéritos realizados pela antiga Superintendência de Campanhas de Saúde - SUCAM, hoje FUNASA, o tracoma existe em todo o Brasil, havendo focos de alta prevalência. Em alguns estados a prevalência é maior do que 20% dos indivíduos examinados, como Ceará, Piauí, Pernambuco, Bahia e Tocantins.

Para uma desejada racionalização das ações de controle do tracoma, é indispensável manter uma boa articulação entre as secretarias municipais e estaduais de Saúde, assim como com outras instituições presentes no Estado tais como aquelas ligadas ao manejo ambiental e à educação, buscando o desenvolvimento de ações que possam ter influência positiva sobre as condições de transmissão e manutenção da endemia. Esta articulação facilitará a capacitação de recursos humanos, o apoio técnico e logístico, a suplementação operacional e o intercâmbio de informações.

O tracoma é tradicionalmente associado ao baixo nível socioeconômico da população. É uma antiga patologia ainda negligenciada na atualidade. Ainda que todos os indivíduos sejam suscetíveis à doença, a infecção ou a reinfecção vai depender das condições do meio em que vivem. Independentemente do meio, algumas atitudes e práticas podem ser adequadamente trabalhadas pela Educação em Saúde, patrocinadas e viabilizadas por políticas públicas.

 

Texto-base:

 

https://portal.fiocruz.br/taxonomia-geral-7-doencas-relacionadas/malaria

 

https://agencia.fiocruz.br/doen%C3%A7as-negligenciadas

 

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_pratico_controle_geohelmintiases.pdf

 

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_controle_tracoma.pdf

miseria-eduardo-familia-bsb-2017-8711-e1
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