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O que é Violência Obstétrica?

Trata-se de qualquer tipo de omissão ou ação que provoque dano, físico ou psicológico (inclui qualquer ação que desrespeite a autonomia do indivíduo),  em cenário obstétrico, contra gestantes durante o pré-natal, parto ou pós-parto. Assim, não é necessariamente uma violência causada por um obstetra.  A violência obstétrica é pautada em questões ideológicas estruturais opressoras presentes na sociedade patriarcal (relações de poder), como machismo (violação da autonomia da mulher) e racismo.

Quais são as faces da Violência obstétrica?
  • Direito a acompanhante negado (desde 2005, gestantes têm direito, por lei, a ter um acompanhante durante o parto, independentemente do tipo de procedimento)

  • Intervenções não explicadas/sem consentimento/desnecessárias (ex: episiotomia - corte realizado na região do períneo para ampliar o canal de parto) de maneira indiscriminada e sem indicação clínica ou a retirada dos pelos pubianos

  • Comentários constrangedores, abusos verbais (cor, raça, etnia, idade, escolaridade, estado civil/situação conjugal, orientação sexual, gênero, número de filhos etc)

    • Ex: inferir que mulheres negras sentem menos dor

    • Comentários como “na hora de fazer foi bom"

  • Negar hidratação ou alimentação durante o trabalho de parto

  • Proibir a locomoção da mulher durante o trabalho de parto, obrigando que ela permaneça em uma mesma posição

  • Manobra de Kristeller (Pressão sobre a barriga para empurrar o bebê)

  • Agendamento de cesárea e outros procedimentos sem recomendação clínica/sem consentimento da mulher, com intuito de intervir e prejudicar a liberdade da mulher na escolha da via de parto

    •  indicando e forçando que seja tomada uma via específica sem nenhuma indicação clínica/ não fornecendo informações verdadeiras sobre cada uma das vias possíveis no momento do pré natal e no momento do parto, etc)

  • uso de medicamentos sem indicação médica com finalidade de acelerar o trabalho de parto (ocitocina)

  • negar direito à privacidade durante o trabalho de parto

  • Violência psicológica (tratamento agressivo, discriminatório, autoritário ou grosseiro)

A resistência contra o termo “violência obstétrica”

No dia 03 de maio de 2019 houve tentativa do Ministério da Saúde, através de um despacho,  para que a expressão “violência obstétrica” fosse abolida de documentos públicos, segundo a justificativa de que “o termo tem conotação inadequada, não agrega valor e prejudica a busca do cuidado humanizado no continuum gestação-parto-puerpério” - Ofício nº 017/19 – JUR/SEC. A justificativa é incoerente visto que o adjetivo “obstétrica” não é exclusivo de médicos. A violência pode partir de falhas sistêmicas nos diferentes níveis de atenção dos sistemas de saúde de modo que não cabe entender a expressão como sinônimo de “violência cometida pelo obstetra”. Reconhecer, portanto, a violência obstétrica como uma realidade, não significa culpabilizar nenhuma categoria profissional específica.  Felizmente, em junho de 2019, o Ministério Público Federal recomendou que o Ministério da Saúde voltasse atrás no despacho e  que reconhecesse o termo como legítimo

A própria Organização Mundial da Saúde (OMS), embora reconheça a questão como um problema de saúde que viola os direitos das mulheres ao cuidado respeitoso, resiste ao uso da expressão violência obstétrica. Em substituição, a OMS adota os termos “abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto nas instituições de saúde”. Essa resistência é contraditória diante do conceito de violência da própria organização (definição da OMS quanto a violência: qualquer ação que tenha o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra o outro ou contra um grupo, que resulte ou possa resultar em qualquer dano psicológico, deficiência, lesão ou morte).

Temos que os discursos de profissionais da saúde encontram-se engessados em um ambiente social e sistemas de saúdes estruturados em fundamentos políticos e econômicos que propiciam a relação de poder. portanto, essa violência é estrutural e reflete o patriarcalismo que rege nossa sociedade como um todo. Podemos acrescentar a prática de patologização do corpo feminino, considerado defeituoso em diversos aspectos e que implicaria constantes correções. Enquanto não reconhecermos que o atual modelo de assistência ao parto, excessivamente tecnocrático, abusivo e permeado de intervenções desnecessárias gera violência contra a mulher, fica difícil modificar as práticas para evitar a violência. Somente a partir do reconhecimento e da aceitação é que pode se iniciar o processo de desconstrução e  transformação. 

A cultura da cesariana

O modelo obstétrico brasileiro vigente, caracterizado pelas altas taxas de cesarianas, tem sido apontado como causa dos elevados índices de óbito materno e neonatal. Esse modelo é resultado da intensa medicalização do processo do nascimento, fruto do desenvolvimento tecnológico, entretanto com elevados índices de morbidade de gestantes e neonatos Em contraste, temos estudos que apontam uma gradual insatisfação de gestantes quanto a prática de cesarianas

Pilares que norteiam a prática da cesariana
 
  • Relações socioeconômicas e atendimento obstétrico

No setor público há a predominância de mulheres que se declaram pardas ou negras, com baixo grau de escolaridade, baixo poder aquisitivo, que costumam engravidar entre 18 a 30 anos. Nesse grupo verifica-se elevada taxa de incidência de cesarianas, demonstrando um processo de normalização da cesariana. Grande parte disso ocorre por essas gestantes não são emponderadas no pré-natal, não recebem informação necessária e têm medo de interpelar os profissionais de saúde sobre o parto. Sendo assim, elas sentem-se sem o direito de autonomia, liberdade e respeito sob suas escolhas. 
 

  • Relação assimétrica entre os profissionais de saúde e a paciente

Na relação médico-paciente, nota-se que o médico acaba tomando o papel de ator principal no cenário do parto em detrimento da gestante que assume uma posição de coadjuvante, já que a medicalização tornou o parto um evento médico, promovendo um sentimento de inatividade da gestante no processo de parto do seu próprio filho. A assimetria dessa relação é supervalorizada e disseminada com base no saber técnico que a equipe obstétrica possui, que presume o não saber da gestante,  desconsiderando sua capacidade de participar do próprio processo fisiológico.

 

  • Aspectos socioculturais que envolvem a escolha da cesárea

A partir de estudos temos que considerável parte das gestantes vêem o parto natural como um evento  m evento incontrolável, sangrento, doloroso, arriscado e que por isso não se sentem capazes de dar a luz de forma natural referindo restrições corporais (dor fisica, intolerância a dor etc). Assim, a cesária aparece como uma solução milagrosa e naturalizada como via segura e “indolor”, aspectos esses que mascaram seus riscos. Entretanto, é curioso destacar diversos discursos de gestantes sobre terem sua dor negligenciada ou de serem desrespeitadas durante o trabalho de parto.

A influência dos fatores raciais

No Brasil, as puérperas de cor preta possuíram maior risco de terem um pré-natal inadequado (OR = 1,62; IC95%: 1,38-1,91), falta de vinculação à maternidade (OR = 1,23; IC95%: 1,10-1,3 7), ausência de acompanhante (OR = 1,67; IC95%: 1,42-1,97) e peregrinação para o parto (OR = 1,33; IC95%: 1,15-1,54). As pretas também receberam menos orientação durante o pré-natal sobre o início do trabalho de parto e sobre possíveis complicações na gravidez. Apesar de terem menor chance para uma cesariana e de intervenções dolorosas no parto vaginal, como episiotomia e uso de ocitocina, em comparação às brancas, as mulheres pretas receberam menos anestesia local quando a episiotomia foi realizada (OR = 1,49; IC95%: 1,06-2,08). A chance de nascimento pós-termo, em relação ao nascimento termo completo (39-41 semanas), foi maior nas mulheres pretas que nas brancas. Além disso, a razão de mortalidade materna é duas vezes e meia maior em mulheres pretas do que em mulheres brancas no Brasil.. Dados do Ministério da Saúde mostram que negras são 66,4% das mulheres que morreram em 2019 por causas obstétricas direta.

Nota
 

Não foram encontrados muitos materiais relacionados a violência obstétrica em homens trans e indivíduos não binários. Fator que demonstra o descaso e preconceito com a abordagem desse recorte pela sociedade . Portanto, gostaríamos de enfatizar a importância de discutir, analisar e estudar essas questões que tornam-se negligenciadas pela nossa sociedade e pontuar nosso apoio, empatia e solidariedade quanto a esses casos. Segue imagens e matéria sobre a trajetória de gravidez de Danny Wakefield (homem trans).

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